quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Série: Os desafios do Crescimento..Final


Parte Final Esconderijos Psíquico.

Nos artigos anteriores, abordamos a questão de que trazemos no nosso arcabouço psíquico a criança que fomos um dia. Ela permanece aprisionada em nosso psiquismo como uma força viva e atuante, que não se esconde e fica quieta, mas se utiliza de uma força ou arquétipo, os ditos esconderijos psíquicos para encobrir suas dores.

Um arquétipo amplamente utilizado como esconderijo psíquico das dores infantis é o arquétipo do religioso. Um arquétipo que oferece amplas vantagens e se encaixa perfeitamente na movimentação psicológica infantil.

Através deste arquétipo reforça-se a área infantil, onde se atribui a uma força fora de si mesmo, no caso, o Pai Todo poderoso, a responsabilidade pelo que se vivencia, sustentando a dependência, impotência e a fragilidade infantil.

Reforça-se, ainda, através deste esconderijo, a dissimulação dos sentimentos, onde os ditos sentimentos malsãos são encobertos por uma imagem idealizada, onde predominam conquistas espirituais ilusórias, que são amplamente reforçadas pelo meio e geram a falsa noção de suprimentos das necessidades infantis de aprovação e validação. Assim, continua-se a reproduzir o triste capítulo infantil de uma história, onde se aprende que para sobreviver emocionalmente é preciso abafar, negar e reprimir sentimentos e tendências para ser aceito, arremessando-se cada vez mais longe de sua essência e das verdadeiras e reais conquistas espirituais.

Continua-se, assim, a reproduzir o faz-de-conta infantil, através deste esconderijo religioso, idealizando um salvador fora de si que, de uma forma mágica, retirará “seus pecados” e o conduzirá para uma vida jubilosa.

Forçoso é admitir que estamos prisioneiros da infância, adultos infantilizados, dominados pela energia psicológica infantil. Altamente carentes, vivenciando amplamente o sentimento de abandono e solidão, à espera de encontrarmos alguém que se encarregue de cuidar de nós e suprir nossas necessidades. Irresponsavelmente, permanecemos estacionados, aguardando um milagre que nos tire da situação em que estamos, atribuindo às causas externas a razão das nossas dores.

Sustentamos, ainda, em nossa área psicológica infantil, a imagem dos pais poderosos, mitológicos, responsáveis por tudo que nos ocorre, permanecendo cativos e dependentes de sua aprovação, na eterna busca de seu amor. Todo o meio, parceiros, filhos, amigos, chefes, autoridades religiosas vão sofrendo a projeção da representatividade de nossos pais e vamos transferindo essa cadeia de dependência, expectativas, buscas e frustrações.

Ouso dizer que além de uma criança cativa dentro de nós, temos nossos pais aprisionados como imagens, verdadeiros fantasmas a nos perseguir e assombrar. É preciso libertar a criança e, juntamente com ela, seus pais, compreendendo que estes são individualidades tão humanamente sobreviventes emocionais quanto nós, aprisionados a seus próprios dramas e conflitos, carentes também de libertação.

Ao longo dos estudos que tenho feito sobre essa área psicológica infantil e através dos relatos que tenho ouvido, percebe-se que a grande dor infantil reside no fato de não ter se sentido visto e devidamente percebido pelos pais na sua essencialidade, pois numa esmagadora maioria, os pais enxergam em seus filhos a própria representatividade de sua criança interna.

Essa dor, tão inerente ao processo humano, precisa ser encarada e enfrentada. No estágio humano de consciência é assim, não somos realmente vistos e percebidos, em nossa individualidade, por nossos pais ou cuidadores e, aqueles que tiverem filhos dentro desta etapa de consciência, reproduzirão o mesmo padrão.

Precisamos encarar, também, que nunca vimos nossos pais além do papel que eles representaram e assumiram em nosso psiquismo. Percebidos pela visão e ótica infantil foi a eles atribuído um papel definido em nossa vida e inúmeras projeções. Assumiram a representatividade de verdadeiros mitos, deuses em nosso mundo inconsciente e, assim, permaneceram ali aprisionados. Como mitos permaneceram idealizados, intocáveis, admiráveis, temidos e totalmente desconhecidos. Mais uma cela construída da qual precisamos nos libertar.

Quem são os seres que estão ou estiveram nossos Pais? Alguma vez vislumbramos, ainda que palidamente, a individualidade por detrás do papel de Pai ou Mãe? Interessamo-nos e sensibilizamo-nos em algum momento pela sua trajetória? Tivemos algum desejo real em conhecê-los ou não passaram de meros supridores de nossas necessidades infantis?

Urgente se faz nos tirar da posição infantil, de responsabilizar nossos pais por tudo que vivemos hoje e de nos assumirmos como autores de nossas Vidas. Tendo em vista nossa longa jornada humana até aqui, é necessário concluir que os pais da atualidade são somente uma pequena fração na Vida que somos. Quando aqui aportamos, já carregávamos conosco o patrimônio de nossa jornada evolutiva e milênios de sobrevivência: a Dor.

Olhemos para nossas dores, não mais como crianças responsabilizando fatos, seres e situações fora de nós por elas. Sentir é inerente ao ser sensível e a dor nada mais é que um estágio de sensibilização do Ser essencial que somos.

Que possamos nos capacitar para olhar nossas dores e admiti-las como patrimônio nosso, fruto da jornada humana, buscando suas causas e superações no único local possível: dentro de nós.

Está na hora de contarmos para nós que não aparecerá um salvador como nos contos e mitos infantis para nos resgatar…, este trabalho é íntimo, intransferível e cabe a cada essencialidade em si mesma. Necessário se faz renunciar à dependência e passividade e começarmos a nos ver como seres aptos e capazes de direcionar a Vida que somos.

Para tanto, atravessaremos um longo caminho, por um local onde nunca estivemos - nosso inconsciente, esta área invisível, onde se esconde esta força infantil que tem travado a marcha da inteligência que somos, nos mantendo cativos a padrões e defesas cristalizados, que não se sustentam mais e são, hoje, motivo de distorções e de nossas maiores dificuldades.

Enfim, precisaremos reconhecer que estamos cansados, muito cansados de nos defender, fugir e atacar, dentro de um ciclo repetitivo, onde percebemos e sentimos a Vida por um estreito vão, o vão de uma visão infantil, humana, superlativa e irresponsável que já não nos cabe mais.

Tenhamos coragem para penetrar no desconhecido mundo íntimo, enfrentar nossas dores, iluminar a área sombria dos sentimentos, que lutamos para manter encobertos e trazê-los à luz da consciência. Somente assim, retomaremos o ponto do caminho onde travamos a marcha e caminharemos para uma Vida consciente, responsável e autônoma.

Não cultivemos mais visões infantis e ilusões pueris. Desenvolver a espiritualidade é nos colocar de frente às forças construídas, em nossa área inconsciente.

Boa jornada a todos!

Claudia Lourenço de Carvalho

Nenhum comentário:

Postar um comentário